terça-feira, 14 de outubro de 2014

CONSCIÊNCIA SOBERANA
Uma pesquisa feita nos Estados Unidos revelou que o número de americanos moralmente adultos não ultrapassa a casa dos l5%. Bernard Shaw já dizia que 5% da humanidade pensa; que 10% pensa que pensa, e que os restantes 85% preferem morrer a ter que pensar.
Humor à parte e descontada uma dose inevitável de exagero e pessimismo, a verdade parece estar do lado desses números. A maturidade moral não parece constituir o lado forte do homem moderno. Em que um casal europeu ou americano difere de um casal indiano ou chinês em termos de consciência moral? Ora, se a maturidade moral é fenômeno raro, entende-se porque o Papa Bento XVI em sua encíclica moral (Veritatis Splendor) resiste à ideia de fazer do planejamento familiar uma questão de consciência. Se o número de casais moralmente adultos é tão reduzido como os fatos estão a sugerir, então é realmente temerário confiar à consciência do casal a responsabilidade exclusiva pelo que faz ou pretende fazer.
O tom das encíclicas papais dá a entender que elas se destinam a pessoas que ainda necessitam do pulso firme e da ordem perentória de um pai solícito, no caso o Papa. Os que não estão em condições de encontrar por si mesmos a solução correta, fazem mal quando ignoram a voz do Papa e o ensinamento da Igreja. Mas aqueles que se podem considerar de posse de uma consciência adulta o suficiente para não precisar da ajuda de muletas morais, não só podem, mas têm a obrigação de assumir a plena responsabilidade pelo que fazem. Esta obrigação também se estende ao planejamento familiar.
Um axioma jurídico diz: “Abusus non tollit usum”. O abuso não justifica a abolição pura e simples de uma prática. O fato de 85% dos casais (suponhamos que a porcentagem corresponda à realidade) não possuírem sequer o mínimo de maturidade moral requerido e que com justiça se pode esperar de uma pessoa culta e civilizada, não dá à autoridade alguma o direito de impor a todos, sem distinção, a mesma regra. Toda regra que não admite exceção é basicamente imoral e fonte potencial de injustiças.
Estrangular a liberdade de espírito de um filho de Deus é bem mais grave do que usar a pílula. Não é de leis e proibições que a humanidade precisa mais, mas de homens e de mulheres capazes de transformar a sua união em verdadeira ponte para o sempre e para o além! O que revela a pessoa moralmente imatura é precisamente a sua incapacidade de se deixar conduzir por sua própria consciência.
A visão que este papa tem da consciência é pessimista. Não só desconfia da falta de consciência moral, como desconfia de forma sistemática da consciência individual. Confia muito mais em sua própria infalibilidade como papa do que na honestidade da consciência em si mesma. É a primeira vez na história da Igreja que um papa trata a liberdade de consciência com tanta reserva. Reforçar a Doutrina Moral não é a maneira mais inteligente de atacar o problema da falta de moral. O que falta não são normas e leis, mas a vontade política de pô-las em execução. Falta, além disso, consciência, isto é, uma visão clara do sentido da existência humana. Uma situação desse tipo não se corrige depreciando o papel da consciência moral. A consciência continua soberana apesar das suspeitas com que a tratam os documentos oficiais da Igreja. Virá o dia e a hora em que todos, sem exceção, seremos julgados por ela.
Quando os compêndios de moral se referem à consciência errônea estão fazendo confusão entre consciência e pseudoconsciência. A consciência autêntica é interior, íntima e pessoal. A pseudoconsciência é uma superestrutura de natureza psicossocial, em certo sentido exterior à pessoa. Resulta de uma educação disciplinadora, destinada a fazer da criança um elemento socialmente assimilável. Quanto mais injusta, despótica e opressora for a sociedade que proporciona à criança este tipo de educação, tanto mais tirânica será o seu superego. Basta seguir Freud, identificando como ele o fez, superego com consciência moral para completar o estrago.
A desconfiança do papa é justificada. Só o alvo não é aquele que menciona. Não é a consciência que não merece fé. É todo um sistema pedagógico equivocado que está se desmoralizando por si mesmo. Na raiz dos problemas sexuais de hoje não se encontra a falta de disciplina, mas a incapacidade das pessoas de se disciplinarem por si mesmas. Tão prejudicial à vida em sociedade é a falta de autoridade quanto na Igreja católica é o seu excesso, já como mal crônico.
Autodisciplina significa ser capaz de responder de forma plena por sua liberdade. Ela inclui como elemento essencial o respeito pela liberdade do outro.

Padre Marcos Bach

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