segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O QUE NOS COMPETE COMO SERES HUMANOS

O discurso teológico tem contribuído muito para distorcer o verdadeiro sentido da Vinda de Cristo à Terra dos Homens. Se Deus quisesse tomar o lugar dos homens e ocupar um espaço histórico que eles não souberam preencher, Deus não teria assumido a natureza humana e se comprometido com a Evolução futura da humanidade do modo como o fez. Cristo veio inaugurar uma nova forma de fazer história, e não apenas um novo capítulo de um processo histórico em andamento. Passaram-se 2.000 anos e a humanidade ainda não se deu conta de que o modo como egípcios, babilônios e romanos faziam história está superado. Há um ponto a partir do qual não é mais permitido pensar em recorrer às armas.
        
Este patamar a humanidade atingiu em 1945. A explosão da primeira Bomba Atômica foi o sinal de que a guerra não é mais uma alternativa política aceitável. Os gulags e campos de concentração nazistas não surgiram do nada. Tornaram-se realidade concreta porque já faziam parte da consciência social e moral de cristãos e judeus.
        
Se a Mensagem política de Jesus tivesse sido compreendida, ninguém admitiria que fossem gastos anualmente trilhões de dólares em armamentos.
        
Se a Mensagem moral de Jesus tivesse sido compreendida, os homens se amariam infinitamente mais uns aos outros.
        
Se a Mensagem religiosa de Jesus fosse levada a sério, os homens teriam muito menos medo uns dos outros.
        
Se a Mensagem espiritual de Jesus fosse entendida como merece, daríamos muito mais valor e importância ao que se passa no interior da almas e nos planos mais profundos das consciências do que àquilo que acontece fora daí.
        
O essencial não cabe em estatísticas nem pode ser transmitido por televisão. Do que de essencial se passa em seu interior até a própria pessoa não consegue ter ideia. No entanto, é lá, no mais íntimo de sua consciência, nos planos de natureza transpessoal, que é decidido o destino não só de cada indivíduo em particular, mas do universo inteiro.

Ninguém se torna mais sábio sem que o cosmos todo saia daí melhor informado acerca da sua verdadeira natureza.

Teilhard de Chardin dizia que o homem é a flecha da Evolução. Ao contrário de outras congêneres, o homem carrega em sua ponta a vida, e não a morte. É na ponta da sua flecha que o arqueiro Zen concentra toda a sua atenção. A flecha, diziam eles, sabe aonde ir e como fazê-lo. Basta indicar-lhe o alvo e apontá-la na direção certa, tudo o mais ela fará por conta e iniciativa própria.
        
Não há, ao que me parece, metáfora mais apropriada para descrever a relação do observador com o objeto da sua pesquisa. E a descreve de maneira sucinta e clara a atitude básica de cada pessoa para com a sua própria consciência.
        
Toda a sabedoria do universo o Criador a condensou no interior da consciência de cada ser humano. O cristianismo não é uma religião de órfãos necessitados de um padrasto ou de menores incapazes de responder por si mesmos. Um cristão adulto é aquele que não precisa mais de quem lhe ensine como ser discípulo de Cristo. “A ninguém chameis de pai, porque um só é o vosso Pai” (Mt 23,9).
        
A Igreja, cujas bases Cristo veio lançar, dispensa por completo todas as formas de tutela moral e espiritual, política e psicológica que nenhuma Igreja cristã até hoje conseguiu abolir.
        
O verdadeiro seguidor de Cristo não é um galé, um pobre coitado que sem as bênçãos de sua Igreja não saberia o que fazer e como escapar das chamas do inferno.
        
O cristão adulto não é aquele que usa a sua Igreja como instrumento da sua própria salvação. A ideia de que a Igreja é um lugar de refúgio para quem é incapaz de se defender por si mesmo, irritou não só a Nietzsche. Está irritando um número cada vez maior de cristãos.
        
A plataforma política de Jesus se encontra sintetizada no assim chamado Sermão da Montanha. Lá disse coisas tão escandalosas como estas:
        
“Bem-aventurados os mansos porque eles possuirão a terra” (Mt 5,5).
        
“Bem-aventurados os pobres” (Lc 6,20).
        
“Se não vos tornardes como as crianças não entrareis no Reino dos Céus” (Mc 10,15).
        
“Ao que te bate numa face ofereça-lhe também a outra” (Lc 6,29).
        
“Ao que quiser levar a tua capa deixe-lhe também a tua túnica” (Lc 6,29).
        
Há uma forma de violência que gera vida. O que é o nascimento de um novo ser humano senão um processo extremamente violento? Retribuir o bem com o bem, já é difícil. Que esforço não é exigido de quem adota como lema responder sempre ao mal com o bem? A mansidão cristã não tem nada em comum com covardia ou medo de lutar.
        
Jesus, “manso e humilde de coração” (Mt 11,29), soube ser violento, tanto em gestos como em palavras. Tanto Paulo (I Tim 2,2), como Pedro (I Pe 3,4) nos convidam a viver uma vida mansa e tranquila.
        
São Francisco de Sales, homem colérico e impetuoso por temperamento, passou à história como santo modelo de mansidão. A energia é tanto mais poderosa quanto mais tranquila, serena e mansa for a pessoa.
        
Verdadeiramente sábio não é aquele que fala mais. Verdadeiramente forte e poderoso não é aquele que se investe de um máximo de autoridade e poder.
        
A nova civilização que se está esboçando é liderada por pessoas que como Gandhi e Nelson Mandela acreditam que o futuro da humanidade depende de atitudes e virtudes que de momento ainda são identificadas com conceitos derrotistas como “entreguismo”, “pacifismo irresponsável”, etc.
        
Todo aquele que se nega a abrir mão de privilégios e de “direitos adquiridos” pode ser considerado inimigo do futuro da humanidade. Isto vale também para a Igreja católica. Há nela gente demais com poder demais e gente demais sem poder nenhum.
        
É evidente que Cristo não teve em mente uma situação tão escancaradamente injusta quando confiou o destino da sua Igreja à direção do Espírito Santo.

Padre Marcos Bach

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