segunda-feira, 24 de novembro de 2014

ESPAÇOS AMPLOS E RESTRITOS À PARTICIPAÇÃO

Há sociedades que oferecem espaço amplo à participação de todos na condução dos negócios públicos. E há sociedades que reservam este espaço a uns poucos detentores do poder decisório, reduzindo a maioria à condição de instrumentos passivos.

As sociedades totalitárias, absolutistas e paternalistas dispensam quase por completo a participação ativa da consciência individual de cada um. Reprimem até toda e qualquer forma de conscientização. A alienação psicológica e moral lhes serve melhor aos interesses. A autonomia moral das consciências não se ajusta a seus modelos paternalistas de governo. A tutoria moral é uma das muitas tentativas mais bem sucedidas de esvaziar a liberdade de consciência de todo e qualquer sentido e conteúdo.

Em muitos casos a tutela moral é exercida em nome da religião e por seus representantes. Ou, então em nome da pureza ideológica do partido. O paternalismo se oculta por detrás de atitudes aparentemente inspiradas na mais pura das solicitudes. O que, no entanto, não impede que a consciência da grande maioria de “menores morais” fique impedida de atingir a plena autonomia.

Como Deus não se dirige ao ser humano a não ser através da sua consciência, não podem ser tomados como legítimos representantes de Deus e interlocutores morais válidos aqueles que se atribuem autoridade e poder sobre as consciências dos que consideram seu rebanho e feudo.

Em todas as sociedades existem as figuras do “sábio”, do “sacerdote” e do “médico”. A cada uma dessas figuras o povo atribui um poder especial, que os demais membros da coletividade não possuem.

O “sábio” é fonte de saber arcano e secreto, cuja posse lhe garante uma posição social privilegiada.

O “sacerdote” é aquele que priva diretamente com a divindade. Conhece os caminhos que levam até os deuses.

O “Pajé” ou médico oficial da tribo possui o segredo das plantas, raízes e ervas medicinais. Emana dele um fluido misterioso que cura o doente, desde que tenha fé.

O homem do povo não conhece a relação direta com Deus. Em suas rezas e devoções se dirige ao “santo”, à “Santa Virgem” e ao sacerdote. Este lhe oferece como alimento espiritual a “palavra” de Deus e os “Sacramentos da Salvação. Em tudo isto o aspecto menos cultivado é o contato pessoal, direto e imediato com Deus.

As coisas de devoção tomam o jeito de um comércio. Bastante bem explorado. O excesso de elementos intermediários entre o homem e Deus tem o inconveniente de coisificar e despersonalizar e relação religiosa, alienando a pessoa de uma das mais poderosas fontes de energia espiritual.

O homem de hoje já adquiriu o hábito de procurar o médico por qualquer motivo. Em lugar de cuidar de sua saúde pessoalmente, faz um pouco de tudo para estragá-la.

Todo cortejo de dependências conflita de maneira frontal com o princípio moral da autonomia. Segundo uma lei básica da vida o ser se organiza a partir “de dentro”. À medida que recorre à assistência externa diminui a sua capacidade de autonomia.

A questão que ainda hoje coloca as autoridades em guarda diante das exigências da liberdade de consciência, pode ser formulada deste modo: “merece a consciência tamanho voto de confiança, quando se tem em conta a situação sociocultural concreta?”. A autocensura é ótima onde existem pessoas capazes de exercê-la.

Para a consciência cristã o sentido da autoridade não coincide nem com o exercício do poder nem com a conservação de um determinado sistema de ordem. O objetivo imediato da atividade de um magistrado cristão (seja ele religioso ou civil) é a promoção moral da comunidade humana, a que serve. Esta, por sua vez, não é idêntica à ordem. A qual, portanto, não pode ser identificada com as necessidades e exigências de um sistema. 

O conflito entre autoridade e liberdade de consciência ocorre as mais das vezes em virtude de uma formulação errônea do conceito de autoridade e ordem e sua relação com o desenvolvimento de uma comunidade. Tratar os seus membros como “menores” do que são na verdade, não é o modo mais inteligente de conduzi-los à maioridade ética e social. A autonomia moral não constitui nenhuma ameaça séria ao exercício legítimo da autoridade. Somente não se dá com o arbítrio, o autoritarismo, o absolutismo. Os piores inimigos da autonomia moral e que constituem as camadas mais parasitárias da sociedade são o tecnocrata, o burocrata, o plutocrata. E no campo religioso, o hierocrata, o administrador das realidades sagradas.

Padre Marcos Bach

Nenhum comentário:

Postar um comentário