terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O REINO DE DEUS UMA PROMESSA

“As nações cristãs chegaram a uma situação deplorável; seu cristianismo, tendo descuidado de fazer evoluir o seu mito no curso dos séculos... As pessoas não percebem que um mito está morto se deixa de viver e crescer...  Nosso mito tornou-se mudo, e não nos fornece mais nenhuma resposta. A falta não está nele, tal como foi revelado pelas Escrituras, mas tão somente em nós, que não o desenvolvemos, e que suprimimos qualquer tentativa nesse sentido”. (C.C.Jung - Memórias, Sonhos e Reflexões, Ed. Nova Fronteira - p.286-287).
        
“Mas hoje a questão nos assedia e precisamos dar uma resposta. Permanecermos de mãos vazias, espantados, perplexos, e nem mesmo percebermos que nenhum mito nos ajuda, agora que temos tanta necessidade” (Id. Ib.).
        
O Reino de Deus é um conceito amplamente usado no Antigo e no Novo Testamento. Possui uma conotação messiânica, pois é apresentado como objeto de esperança e como tal faz parte das promessas de Deus. Projeta o presente em direção ao futuro.
       
Possui, ao mesmo tempo, uma dimensão mitológica, pois se refere também a um tempo passado, que por não existir mais como fato histórico atual, continua vivo sob a forma de mito.
        
O mito, como os contos de fadas, expressa duas coisas fundamentais:
- Primeiro, uma verdade fundamental e de extrema importância para a configuração do Ethos cultural de um povo.
- Segundo, um dado arquetípico dos mais poderosos do seu Inconsciente Coletivo.
        
O primeiro aspecto é de natureza política e responde a seguinte pergunta: “Como motivar um povo a lutar e a sofrer (se preciso for) pelo seu futuro?”. A consciência histórica de fazer parte de um Povo Eleito, de ter Javé como seu guia e de ser agente ativo num projeto messiânico fez com que cada judeu conseguisse sobrepor-se na hora decisiva aos seus próprios interesses individuais. A consciência política do povo judeu sempre foi mais forte do que qualquer conjugação de interesses particulares. A alma e o Leitmotiv  do povo eleito foi um sonho, uma utopia: a realização do Reino Messiânico!
        
Faz parte das características essenciais do reino messiânico ser teocrático. É Deus que governa e dirige o seu povo. É Javé que caminha à frente dos seus.
        
Numa teocracia só existe um poder legítimo: o de Deus e o que é exercido em seu nome e sob o seu controle. Absoluto só é o poder de Deus. Toda autoridade exercida por homens está sujeita ao controle tanto de Deus em Pessoa, quanto do povo. A voz do povo tinha em certos momentos mais peso e vigor do que o poder do rei.
        
O profetismo encarnava a voz e os anseios do povo. Era, pois, uma instituição eminentemente democrática, destinada a contrabalançar e neutralizar até certo ponto os exercícios do poder monárquico. O critério político que determinava a intervenção dos profetas não era a ordem, mas a justiça. Não os interessava a paz a qualquer preço, mas a paz que resulta da justiça. A opressão dos fracos por parte dos poderosos e a exploração dos pobres por parte dos ricos constituíam o alvo preferido de suas diatribes.

O REINO DE DEUS UM IDEAL

O Reino Messiânico não era para eles um ideal a ser posto em execução imediata, mas uma medida, um paradigma (diríamos hoje), um critério de avaliação moral e política. Toda vez que o povo se afastava de Deus e sempre que o rei se distanciava tanto de Deus como do povo, surgia o profeta para recolocar o sistema nos seus devidos eixos.

O Reino Messiânico dos profetas não fazia parte do mundo das realidades escatológicas. Não era, portanto, um sonho destinado a encontrar sua plena realização numa outra vida. O judeu, via de regra, pouco se preocupava com o que vinha depois da morte. Para ele o Reino Messiânico era uma promessa de Deus destinada a se cumprir em tempo histórico.
        
Aos poucos os profetas foram rareando e o último do qual se tem notícia viveu no século VI a.C. O sonho do Reino foi se apagando, ou então passou a ser usado por aventureiros políticos pouco escrupulosos. Depois do ano de 133 d.C. os romanos se encarregaram de esvaziar em caráter definitivo de qualquer chance política o sonho messiânico do povo judeu. Foram dispersos pelo mundo inteiro e, contudo, permaneceram unidos, alimentando em suas sinagogas a esperança de um reencontro com o ideal messiânico.
        
A ideia de um reino ideal se apoia em três pressupostos:
- Primeiro, uma realidade presente, se não intolerável de todo, ao menos distante do que qualquer cidadão consciente e civilizado considera como requisitos mínimos de uma sociedade humana justa, digna de seres racionais.
- Segundo, por trás desta esperança de dias melhores deve haver uma certeza, pois sem ela a esperança deixaria de existir e seu lugar seria ocupado pela ilusão.
- Terceiro requisito: deve haver um modelo a partir do qual é possível dimensionar os contornos fundamentais do Reino Messiânico.
        
O povo judeu sempre foi um povo sofrido. Sempre teve que lutar duramente por tudo o que conseguiu conquistar e realizar. É só pensar na Terra Prometida, sua pátria, onde o “leite” e o “mel” eram na época de Moisés tão escassos quanto hoje. Onde o judeu põe o pé, a perseguição se lhe gruda no calcanhar. Mas uma certeza o judeu sempre tinha: “Deus está do meu lado!”.

Deus (isto é, Javé) precisa de nós como nós precisamos dele! A relação de um judeu com seu Deus é tudo, menos servil. Um judeu religioso não se sente diminuído pelo fato de estar às ordens de seu Deus. Pelo contrário, sente-se dignificado pelo fato de poder obedecer a tão excelso Senhor. É possível que em nossos dias seja difícil encontrar um judeu que deposite em Deus a mesma fé que desde séculos se acostumou a depositar no poderio financeiro e militar. Toda vez que o povo de Israel cometeu o mesmo erro, acabou pagando por ele um alto preço. Recebeu por ele um castigo correspondente ao de “Alta Traição”.
        
Resta uma pergunta que merece atenção: “Donde o povo de Israel tirou a ideia de um Reino Messiânico Ideal?”. Faz parte do credo religioso do judaísmo a crença num estado inicial em tudo oposto à situação do momento histórico atual. O homem primordial foi criado por Deus em primeira mão (e não por intermédio de terceiros). Depois de tê-lo criado, Deus viu que tudo o que tinha feito era bom, incluído o homem. Das páginas iniciais da história humana fazem parte o Jardim do Éden (ou Paraíso), a mulher, sua extraordinária intimidade com Deus e uma forma invejável de viver em harmonia com a natureza.
        
Tudo isso se perdeu. Mas ficou no Inconsciente Coletivo de cada ser humano a saudade e o desejo de um reencontro com este estado de comunhão íntima com Deus e com a natureza. Foi provavelmente sob a influência dessa nostalgia do Paraíso perdido que Isaías escreveu essas palavras enigmáticas e aparentemente pouco dignas de figurar num escrito tido como sagrado e inspirado por Deus: “Habitarão juntos o lobo e o cordeiro, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o bezerro e o leãozinho pastarão juntos... A vaca e o urso comerão na mesma pastagem... O leão e o boi comerão igualmente palha...” (Is 11, 6-7).

Padre Marcos Bach

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