quarta-feira, 26 de agosto de 2015


CRISE DE IDENTIDADE SOCIAL

Hoje só uma pessoa muito mal informada pode negar a existência de uma “crise de identidade” social. Tudo aquilo que no passado fazia as pessoas se sentirem “idênticas” e identificadas com o ambiente cultural em que viviam, já não tem mais o mesmo poder. Em épocas de “consolidação cultural” (Erikson), como em tempo de paz, predomina a figura do cidadão “pacato” e “solidamente” fiel às tradições.
 
Em períodos de transição cultural, como em tempos de conquista, destaca-se a figura do “pioneiro” desbravador de terras virgens.

A identidade do “homem moderno” condiz muito mais com a imagem do “bandeirante” e do “pioneiro”.

Identidade é a “consciência de um conjunto subjetivo de valores (sancionados ou não). 

As virtudes do soldado e as do cidadão conflitam entre si em muitos aspectos. Um soldado sedentário e um camponês nômade são um contracenso in terminis. Vivemos num mundo “em crise”, isto é, em transição. Num mundo “de passagem”. Transição histórico-cultural, logo, obra da consciência e da vontade do homem.

O futuro, ao encontro do qual nos encaminhamos, não é um declive por onde se pode escorregar à mercê da fatalidade. Se houver um “amanhã” para a humanidade ele será obra da história, isto é, do homem. Não existe em parte alguma um “paraíso” à espera das gerações futuras. O relevo histórico é pontilhado de altos e baixos, de progresso e de estagnação, que correspondem a outras tantas decisões ou omissões históricas da humanidade. A identidade social se revela, portanto, na história.

À medida que alguém se envolve nos acontecimentos e se compromete com o futuro dá a estatura de sua identidade e o nível de sua consciência social.

A moderna crise de identidade social é um fenômeno altamente positivo e se deve ao modo substancialmente diverso do homem se relacionar com o mundo, provocado pela “revolução” científico-tecnológica. Ela está apenas se esboçando. Sua evolução depende muito do grau de consciência que a humanidade estiver disposta a investir neste processo.

De que modo pode o desenvolvimento técnico-científico influir de forma tão ampla e radical no ambiente sociocultural humano?

Aqui é preciso pensar um pouco na linha de Marx. Uma mexida no mundo das relações econômicas sempre traz consigo uma reviravolta equivalente no campo sociocultural. O advento da máquina modificou profundamente todo o sistema de relações sociais e políticas. O advento da cibernética abre perspectivas praticamente imprevisíveis.

Quando o trabalho deixar de ser atividade nobre; quando o tempo deixar de valer dinheiro, muita coisa na vida diária das pessoas vai mudar.

Na medida em que o “tempo econômico” (produção – consumo) for substituído pelo “tempo social”, surgirão problemas éticos com que por ora ninguém se preocupa. Surgirão também oportunidades e formas de relacionamento social com que ainda não é possível sonhar. O reflexo de todas estas modificações sobre a “consciência de identidade” do cidadão médio do ano 2.100 é difícil de adivinhar, mas certamente será mais profundo que se possa pensar a partir do pequeno ângulo de visão de hoje.

Como é que as pessoas irão se sentir num mundo com tanto “tempo livre”?  Num mundo em que o computador toma o lugar da memória, da inteligência, das bibliotecas e dos arquivos? É difícil imaginar. Nosso atarefado “homem de negócios” certamente morreria de tédio se tivesse que viver nele. Como se pode ver facilmente será necessário não só modificar a estrutura interna das pessoas, mas todo o sistema éticossocial.

À ideologia do “trabalho produtivo” será preciso opor outra. O progresso terá que passar a ter outra conotação. A ideologia “desenvolvimentista” terá que ser relegada à penumbra venerável de algum hipotético “museu ideológico”. A maior parte da humanidade ainda está às voltas com problemas de sobrevivência pura e simples. É evidente que neste caso o econômico prevaleça sobre todos os demais aspectos da vida.

Padre Marcos Bach

 

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