O PROCESSO DIALÉTICO DO AMOR
O amor resulta de um processo dialético, afirma
Aristóteles. Nasce como pergunta e como proposta. O amante se manifesta e se
declara, correndo o risco de se ver rejeitado. O ou (a) amado(a) hesita antes
de dar o seu sim, o que é para o amante motivo de muito sofrimento.
Aristóteles dá a este momento inicial o nome de filesis, palavra que poderíamos traduzir
como “proposta de amizade” (em grego, philia).
“Estou interessado em dar-te o meu amor, ele te interessa?”.
O tempo que alguém é forçado a esperar pela resposta é de
muito sofrimento! E de muita dúvida! “Será que foi correta a forma como fiz a
minha proposta?” - pergunta-se o(a) amante. “O que será que este(a) cara está
querendo?” – “pensa com seus botões” o(a) eleito(a).
No campo do amor é sempre preferível desconfiar demais que
de menos. Ou será que não se encontra aí a explicação para tanto fracasso
amoroso?
À resposta Aristóteles dá o nome de antifilesis, isto é, de antipergunta ou de antiproposta. Da
qualidade da pergunta depende a qualidade da resposta. Quem quer saber, tem que
aprender a perguntar, antes de mais nada.
No campo da verdade vale o mesmo: “Quem procura, acha”. E
só aquele que procura acha. “Batei e abrir-se-vos-á”, diz Jesus (Mt 7,7).
No campo religioso pode-se estabelecer a premissa que é do
valor da procura por parte do homem que depende a resposta de Deus.
Do confronto dialético entre filesis e antifilesis
resulta a síntise afetiva, a que Aristóteles dá o nome de Philia, isto é, amizade.
O lugar que Platão reservara ao amor erótico Aristóteles o
transferiu ao amor de amizade. Aristóteles foi tão bem aceito por monges, como
Tomás de Aquino, porque contribuiu para a deserotização do amor, mais que outro
pensador clássico.
A quem julga que Aristóteles e por tabela Tomás de Aquino e
seu mestre Alberto Magno prestaram à humanidade e à correta compreensão do amor
humano um grande serviço, é preciso lembrar que todos eles eram “machistas”
típicos.
No mundo dominado pelo pensamento aristotélico-tomista
lugar de mulher é na cozinha e na companhia de escravos! A mulher se santifica
trabalhando e procriando filhos! Chega a ser asquerosa e revoltante a linguagem
que o exímio Doutor da Igreja Santo Alberto Magno emprega ao descrever o perigo
que a presença da mulher representa na vida de um homem de Deus. Não há palavra
que o santo homem não empregue para descrever o quanto a mulher é capaz de ser
traiçoeira, ordinária e falsa no trato com o homem.
Platão ainda via o amor como manifestação da “centelha
divina” que todo ser humano traz em seu íntimo.
Em Aristóteles o amor já se apresenta como consequência de
um processo racional, essencialmente dialético. A guinada é violenta!
Os homens encarregados de zelar pela pureza da fé cristã
deram preferência à concepção aristotélica do amor por ser ela mais racional. O
pensamento platônico é antes místico que racional, ao passo que o pensamento de
Aristóteles é essencialmente éticomoral.
Para o pensador aristotélico o amor é uma virtude moral,
isto é, um meio a serviço da autorrealização. No pensamento platônico o amor
não é um meio, mas um fim em si, e mais que isso: é um modo do ser humano
ultrapassar a sua condição meramente natural!
O motor que impele o homem a ir sempre mais longe e a
evoluir sem parar é a sua consciência, e o produto mais nobre desta sua
consciência não é o pensamento, mas o amor. É o amor que o faz crescer, evoluir
e avançar em direção ao infinito até perder-se de vista.
“Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á” (Mc 8,35).
Aquele que sabe o que é amar sabe o que significa a palavra perder neste
contexto. Perde sua vida aquele que coloca outro no espaço mais nobre da sua
alma como o fez o apóstolo Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim”, escreveu ele aos Filipenses (Fl 1,21).
Amar significa colocar outro no centro da sua vida. Para
que isto se torne possível é preciso destronar-se a si próprio. Quando
afirmamos que o homem é um ser excêntrico por natureza, é exatamente isto que
queremos dizer!
Quando Carl Gustav Jung afirma que o homem plena e
perfeitamente normal é aquele que consegue ocupar todo o seu espaço interior de
forma construtiva, não está pensando no individualista orgulhoso e
autossuficiente que se vangloria de não precisar de ninguém.
A consciência que cada qual traz em si é um oceano sem
fundo e sem fim. É propriedade de todo ser dotado da capacidade e do poder de
autonomia e de autorregulação. O cosmo é um todo autorregulado e cada
subunidade deste universo possui autonomia na medida em que sabe como proceder
e dispõe do poder de transformar pensamento em intenção e intenção em ação.
Autônoma é toda entidade
que é governada e dirigida por forças internas a ela. Heterônoma é a entidade
que necessita de terceiros e deles depende para seu funcionamento correto.
Nosso conceito de ordem social e/ou moral inclui o conceito
de submissão e de obediência numa proporção que a natureza desconhece por
completo. Não há nem planta nem sequer átomo que não saiba o que fazer e como
proceder.
Se o átomo pode permitir-se o luxo de proceder com a
liberdade de quem pode decidir por conta própria, por que só o homem é obrigado
a obedecer a leis e a submeter-se às exigências de uma moral heterônoma? Por
que, então, é livre? Não é a liberdade o atributo que toda consciência tem de
ser a sua própria lei? Não é o excesso de normas e regulamentos sinal evidente
de que a liberdade não está sendo respeitada como deveria ser?
Padre Marcos Bach
Descobri este texto como quem descobre um tesouro valiosíssimo. Estou iniciando um estudo sobre a amizade e este início torna minha busca promissora.
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