quarta-feira, 7 de outubro de 2015


O PROCESSO DIALÉTICO DO AMOR

O amor resulta de um processo dialético, afirma Aristóteles. Nasce como pergunta e como proposta. O amante se manifesta e se declara, correndo o risco de se ver rejeitado. O ou (a) amado(a) hesita antes de dar o seu sim, o que é para o amante motivo de muito sofrimento.

Aristóteles dá a este momento inicial o nome de filesis, palavra que poderíamos traduzir como “proposta de amizade” (em grego, philia). “Estou interessado em dar-te o meu amor, ele te interessa?”.

O tempo que alguém é forçado a esperar pela resposta é de muito sofrimento! E de muita dúvida! “Será que foi correta a forma como fiz a minha proposta?” - pergunta-se o(a) amante. “O que será que este(a) cara está querendo?” – “pensa com seus botões” o(a) eleito(a).

No campo do amor é sempre preferível desconfiar demais que de menos. Ou será que não se encontra aí a explicação para tanto fracasso amoroso?

À resposta Aristóteles dá o nome de antifilesis, isto é, de antipergunta ou de antiproposta. Da qualidade da pergunta depende a qualidade da resposta. Quem quer saber, tem que aprender a perguntar, antes de mais nada.

No campo da verdade vale o mesmo: “Quem procura, acha”. E só aquele que procura acha. “Batei e abrir-se-vos-á”, diz Jesus (Mt 7,7).

No campo religioso pode-se estabelecer a premissa que é do valor da procura por parte do homem que depende a resposta de Deus.

Do confronto dialético entre filesis e antifilesis resulta a síntise afetiva, a que Aristóteles dá o nome de Philia, isto é, amizade.

O lugar que Platão reservara ao amor erótico Aristóteles o transferiu ao amor de amizade. Aristóteles foi tão bem aceito por monges, como Tomás de Aquino, porque contribuiu para a deserotização do amor, mais que outro pensador clássico.

A quem julga que Aristóteles e por tabela Tomás de Aquino e seu mestre Alberto Magno prestaram à humanidade e à correta compreensão do amor humano um grande serviço, é preciso lembrar que todos eles eram “machistas” típicos.

No mundo dominado pelo pensamento aristotélico-tomista lugar de mulher é na cozinha e na companhia de escravos! A mulher se santifica trabalhando e procriando filhos! Chega a ser asquerosa e revoltante a linguagem que o exímio Doutor da Igreja Santo Alberto Magno emprega ao descrever o perigo que a presença da mulher representa na vida de um homem de Deus. Não há palavra que o santo homem não empregue para descrever o quanto a mulher é capaz de ser traiçoeira, ordinária e falsa no trato com o homem.

Platão ainda via o amor como manifestação da “centelha divina” que todo ser humano traz em seu íntimo.

Em Aristóteles o amor já se apresenta como consequência de um processo racional, essencialmente dialético. A guinada é violenta!

Os homens encarregados de zelar pela pureza da fé cristã deram preferência à concepção aristotélica do amor por ser ela mais racional. O pensamento platônico é antes místico que racional, ao passo que o pensamento de Aristóteles é essencialmente éticomoral.

Para o pensador aristotélico o amor é uma virtude moral, isto é, um meio a serviço da autorrealização. No pensamento platônico o amor não é um meio, mas um fim em si, e mais que isso: é um modo do ser humano ultrapassar a sua condição meramente natural!

O motor que impele o homem a ir sempre mais longe e a evoluir sem parar é a sua consciência, e o produto mais nobre desta sua consciência não é o pensamento, mas o amor. É o amor que o faz crescer, evoluir e avançar em direção ao infinito até perder-se de vista.

“Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á” (Mc 8,35). Aquele que sabe o que é amar sabe o que significa a palavra perder neste contexto. Perde sua vida aquele que coloca outro no espaço mais nobre da sua alma como o fez o apóstolo Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”, escreveu ele aos Filipenses (Fl 1,21).

Amar significa colocar outro no centro da sua vida. Para que isto se torne possível é preciso destronar-se a si próprio. Quando afirmamos que o homem é um ser excêntrico por natureza, é exatamente isto que queremos dizer!

Quando Carl Gustav Jung afirma que o homem plena e perfeitamente normal é aquele que consegue ocupar todo o seu espaço interior de forma construtiva, não está pensando no individualista orgulhoso e autossuficiente que se vangloria de não precisar de ninguém.

A consciência que cada qual traz em si é um oceano sem fundo e sem fim. É propriedade de todo ser dotado da capacidade e do poder de autonomia e de autorregulação. O cosmo é um todo autorregulado e cada subunidade deste universo possui autonomia na medida em que sabe como proceder e dispõe do poder de transformar pensamento em intenção e intenção em ação.

Autônoma é toda entidade que é governada e dirigida por forças internas a ela. Heterônoma é a entidade que necessita de terceiros e deles depende para seu funcionamento correto.

Nosso conceito de ordem social e/ou moral inclui o conceito de submissão e de obediência numa proporção que a natureza desconhece por completo. Não há nem planta nem sequer átomo que não saiba o que fazer e como proceder.

Se o átomo pode permitir-se o luxo de proceder com a liberdade de quem pode decidir por conta própria, por que só o homem é obrigado a obedecer a leis e a submeter-se às exigências de uma moral heterônoma? Por que, então, é livre? Não é a liberdade o atributo que toda consciência tem de ser a sua própria lei? Não é o excesso de normas e regulamentos sinal evidente de que a liberdade não está sendo respeitada como deveria ser?

Padre Marcos Bach

Um comentário:

  1. Descobri este texto como quem descobre um tesouro valiosíssimo. Estou iniciando um estudo sobre a amizade e este início torna minha busca promissora.

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